sábado, 19 de setembro de 2015

Vida e Morte no coletivo.

.I.
Quem seu perfume pensa que é
Para invadir minhas narinas sem permissão?
E quem autorizou seus óculos
A refletirem meu olhar no ocre desavisado?
E por que meus fones de ouvido
Me impedem de ouvir sua voz?

Quem é sua roupa para determinar
A distância de dois calores?
Por que seus sapatos insistem em estar presos
A pés que querem pular em camas limpas?
Por que sua mão repousa em seu colo,
Quando deveria acariciar meu peito?

E quão ousado é seu cabelo,
Por voar no ritmo de um ar não soprado por mim?
E quão sinistro é este tremor,
Que nos leva, tão distantes, ao mesmo destino?

Antes sua pulseira dourada fosse uma algema a nos ater
Antes seu relógio preto fosse uma forma de o tempo deter.

Em que ponto final pararemos,
Quando sequer iniciamos uma sentença com letras maiúsculas?
Em que catraca nos esqueceremos,

Vivendo mortos nestas realidades esdrúxulas?


.II.
Nada a te oferecer além de um bom dia entrecortado por alguma buzina mais histérica que minha instantânea falta de ar. Talvez, e apenas talvez, eu devesse parar de fumar, para, assim, ter algum fôlego caso esse encontro desavisado ocorra novamente, sob a mesma benção da avenida improvável. Numa alvorada qualquer, sorte a minha caso possa reconhecer o prata que guarnece seu olhar. Num crepúsculo perdido, eventualmente eu possa descobrir seu nome e, em um ato de honesta gratidão, te retribuir com o meu.

Perdi a conta das estrelas que brilham em sua pele em forma de sinais de nascença, e rasguei meus diplomas para reaprender a gramática do seu corpo. No léxico dos corpos, faço-me sinonímia do teu sexo e brindo a semântica romântica do zero absoluto. Na interseção que nossos conjuntos possam sugerir, passo a colorir drasticamente o que temos em comum, e, fugindo de linhas cartesianas, rascunho gráficos absurdos que nos diagnostiquem e cataloguem.


Ao final do dia, chego em casa, jogo a mochila sobre a cama, deposito mais este livro na estante e, num próximo ano, sequer lembro o que estudei em você.


.III.
Ouvi dizer que o que nos separou foi o infortúnio. Que talvez, na pressa, eu tenha entrado no trem com destino ao inferno, para o qual você não tinha uma passagem. Mas, como você gostaria de me acompanhar até a esquina mais próxima de meu destino, você entrou na fila para comprar o seu. E eu, claro, corri.

Dizem também que um mensageiro lhe entregou uma carta sem remetente. O envelope, provavelmente selado com um beijo que não o meu, te indicava outro itinerário. Talvez meu horário que fosse ruim, nossos fusos desencontrados, e, assim,Não aconteceu.


De toda forma, viajei em pé e guardei, esperança e assento, para o caso de reconhecer teu semblante em uma próxima estação.


.IV.
Neste mal do quase um terço de século, uma epifania: melhor prestar atenção no vão entre o trem e a plataforma, que me arriscar a mergulhar no abismo entre nós dois. Pois, qual a garantia que tenho que seus braços se estenderiam para me salvar? Que companhia eu teria no fundo do poço, além da velha tosse seca e o resto de um maço de cigarros?


Ah, é mais saudável então ver bem onde piso. E cuidado redobrado, já que não o fiz quando meu ombro doente esbarrou no seu viril. Você deslocou um osso, dois estômagos e quatro corações. Frágil como fiquei, fui imobilizado por um gesso imaginário que só você assinou. Fui reanimado, mas, logo em seguida, eu jazia em sua cama. E nunca mais voltei.

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