domingo, 6 de setembro de 2015

Destinatário: eu.

Olá.

Desculpe-me por não começar o endereçamento correto. Por mais que eu seja daquele tipo que sempre segue as regras, acho um pouco redundante colocar meu nome num vocativo direcionado a mim mesmo. Fora que, como tem muito tempo que não escrevo para mim mesmo, assumo que estou um pouco afobado. Acho que estes esclarecimentos (me) são importantes, caso eu resolva revisitar essa carta daqui a três anos e me odiar por não ter seguido todas aquelas regras aprendidas na escola. Isso, claro, se eu enviá-la para mim. Eu sei, eu tenho essa mania estranha de terminar de escrever a carta e ficar com preguiça de levá-la ao correio para selá-la. Fora que parece que não posso mais pagar um centavo para enviar a carta. E, eu sei, eu nunca ando com moedas. Pesam a bolsa, não é mesmo? Tenho certeza que eu concordo com isso. Deveriam abolir as moedas, assim como deveriam abolir os selos. Menos para os colecionadores, eles podem ficar em paz com suas figurinhas adultas. Eu só acho que seria mais efetivo para a comunicação mundial se não houvesse essa barreira burocrática entre os que ainda se escrevem.

Veja eu o quanto eu estou nervoso. Comecei, logo no primeiro parágrafo, a filosofar sobre colecionadores. Eles que morram, com toda essa mania de acumular coisas. Devem sofrer de retenção anal. Freud certamente explicaria isso. Mas, o que ele ainda não conseguiu explicar, e que é o motivo pelo qual eu me escrevo, é: como eu estou? Ouvi dizer que eu mudei de casa, é verdade? Mas eu não estava tão adaptado àquela vidinha arborizada, esportes, samba toda santa segunda-feira e ressacas intermináveis no dia seguinte? Eu sei, eu vou falar que, se tem tanto tempo que eu não me escrevo, como eu sei disso? Mas é que, eu sei, eu entro quase diariamente no Facebook, então sei exatamente o que eu ando fazendo da vida. Porque eu tenho essa péssima mania de publicar tudo o que eu estou fazendo, né? "Olha a minha comida quase fitness de hoje". Aliás, que mania chata é essa de achar que eu estou sempre gordo? Eu não tinha emagrecido não sei quantos quilos e estava postando foto sem camisa? Será que eu engordei tanto pra continuar nessa paranoia? Me escreva, eu adoraria saber qual o carboidrato que eu deveria cortar essa semana e qual o óleo-queima-gordura da moda.

E o meu trabalho, como anda? Eu me lembro que eu não costumava reclamar dele, mas que deixava bem claro que o capital cultural das pessoas era um tanto baixo... Logo eu, que sou fã incondicional de Britney Spears, falando dos meus colegas do trabalho. Mas, tudo bem, eu sou assim mesmo, incongruente, e eu sei que debaixo dessa capa poperô colorida ai que saudade dos anos 90, eu tenho uns dois ou três discos incríveis que deixariam qualquer crítico de música orgulhoso. E o meu livro? Lembro-me que eu estava querendo escrever um livro. Consegui terminar? Estou curiosíssimo para saber quando que eu finalmente vou parar com essa mania de protelar aquilo para o qual eu verdadeiramente tenho talento.

E o meu namorado? Já virou meu marido? Digo, oficialmente. Eu me lembro que eu insistia tanto pra casar, mas, quando eu pude finalmente casar, eu acabei entrando num vórtice misto entre posicionamento político e empurrar com a barriga, tá bom assim, pra que mexer? Não se esqueça que eu adoro bem-casado e quero muito ser convidado para o meu casamento. Certamente eu daria uma festa de arromba. Sei que as coisas ficaram um pouco estremecidas entre nós, aquela vez em que eu me bati contra a parede porque estava muito irritado. E sei que eu disse que não me encararia mais depois daquele incidente, mas acho que já é hora de eu superar isso, não? Não gosto de ficar tão distante de mim, por mais que eu saiba que a vida, bem, a vida é assim. Vive distanciando pessoas que se gostam, pelos mais variados motivos. Mas nunca pensei que eu romperia comigo dessa forma. Que tal eu marcar um café comigo para discutir isso? Uma cerveja? Uma tarde fumando maconha e descobrindo novas bandas? Eu me lembro que eu gostava tanto disso, mas tem muito tempo que eu não me convido para uma tarde dessa. Acho que eu deveria. Me diga o que eu penso.

Bom, vou me despedir por aqui. Minha mão já está doendo (eu sei que eu odeio manuscrever, acho coisa de gente do século passado). Mas, por favor, eu adoraria saber de mim. Na carta segue o meu novo endereço. Parece longe, mas as cartas são entregues direitinho no condomínio, então é 100% seguro que minhas cartas chegarão na minha residência. Eu vou me enviar esta agora mesmo, antes que ela se perca dentro de alguma dessas gavetas cheias de cartas não enviadas.

Com amor,

Eu.

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