quinta-feira, 28 de março de 2013

sobre insônia e nicotina.


o céu está tão caro
que já nem sei que horas sou
o sol desapareceu ao acaso
que já falei que oras ou
quem mora
neste agora
trancafiado em trinco vão
sem mais portas
ou histórias tortas
chorando sempre o mesmo não.

o céu está tão longe
que já nem sou como ou onde
a onda transbordou sobre o caso
que já virou atraso ou
descaso
neste maço
de cigarros fumados então
sem o fogo
deste engodo
de mãos dadas com a solidão.

terça-feira, 26 de março de 2013

as amarras.

pago com o corpo
os juros deste empréstimo de felicidade fugaz:
as noites em claro sobre a madeira sem lei,
os dias em que corro sem socorro
as folgas vitimizadas pelo tempo
e o sono raro sem abraços reais.

o que está acontecendo?
o quão louco posso estar nessa camisa de força
tamanho P, finalmente?

o que revira em meu estômago?
se não há frios ou arrepios na barriga.

reduzi-me a uma estria nervosa.
nestes cinquenta tons de feng shui sem equilíbrio.

segunda-feira, 25 de março de 2013

bar do peixe.

o que me fascina
me faz sina.

100.


a estrada segue sem curvas
sem redutores de velocidade
sem indutores de sono
sem fios separando faixas
ou movendo este carro desgovernado.

sem pedras no caminho,
sem fim
cem quilômetros por hora
sem freio de mão
sem papas na língua
cem direções equivocadas.

nenhuma placa indicando a veloz cidade permitida
eu jamais acreditaria nelas de qualquer forma.

no volante monótono,
repouso minha cabeça
desligo o rádio
para cantar sem acompanhamento.

não, não quero notícias
tampouco oras deste desbrasil
nem desbravar desventuras
sem série
sem número
sem obsessões
sem concessões
sem licenças.

miro o mesmo documento
lá está meu nome
mas de quem é este rosto?

quem pode dirigir então?

quem pode digerir
senão
eu?

a estrada segue sem curvas
sem eliminadores de apetite
sem odores característicos
sem cem quilos por um segundo.
sem pesos por um instante.


domingo, 24 de março de 2013

concreto.

eu não sei mais

se
estou procurando agulhas no palheiro
ou se a palha já pegou fogo há muito.

nada além de cinzas
tornam o ar alérgico
sem remédios para dar algum frescor
salvo a fúria.

e onde está o lúdico?
talvez no mesmo lugar onde hoje
reside morto o senhor lúcido.

eu não sei mais

se
estou inventando argumentos de defesa
ou se o júri já condenou este pobre réu.

a uma prisão perpétua
em prédios sem janelas
com portas que não levam a lugar nenhum
salvo o concreto.

Zooming.

onze quilos a menos
e a bota da sabotagem ainda aperta
o dedo mínimo
sem o mínimo de espaço para se movimentar
mas
de onde vem o aperto no peito?

quem inventa as amarras,
no jogo vil da submissão
neste covil do eu plus one
no qual o eu desapareceu?

estou me reinventando
e as antigas aventuras estão submergindo.

o quanto isso exaspera?

na metáfora do corpo perfeito,
boio por horas numa piscina do ainda-ontem:
para que tanto rancor
apenas por areias debaixo de meus sapatos?

deixe-me arranhar o assoalho
ou apenas deixe-me.

sexta-feira, 22 de março de 2013

but i know by the name.


a mesma voz sibilou
coreografada
nos ouvidos desatentos a histórias chatas
pessoas perdidas
e garrafas de cerveja espalhadas como labirinto.

mas que chão frio este no qual me sento e não repouso minhas costas?

a mesma decepção fibrilou
taquicárdica
nos cacos de coração que esperavam notícias
olhares furtivos
e brindes violentos com taças de vinho tinto.

mas que páginas são estas que não sustentam mais palavras mortas?

quinta-feira, 21 de março de 2013

Encontro.


- Olá! O que faz por aqui?
- Eu saí com o intuito de obter uma nova identidade. Uma segunda via. Uma segunda vida. Ou uma sobrevida, quem sabe. Talvez uma vida a mais naquele jogo chamado vida. Pedi para todos os meus amigos. Já era tarde. Ninguém podia me ajudar.
- Poderia ter me pedido.
- Você não é meu amigo.
- Por que não? Não estou aqui falando com você?
- É apenas um devaneio. Eu deveria esta dormindo. Ou fumando um cigarro. Ou bebendo mais um café. Ou tomando uma xícara de chá gelado. Ou correndo. Ou disfarçando as olheiras. Mas estou aqui, de pé. E não, você não é meu amigo.
- Repito a pergunta. Por que não?
- Porque não sou amigo do espelho.
- Eu reflito você?
- Não. Você apenas me aflige.
- Por quê?
- Porque pela primeira vez vejo um reflexo feio. E não acho isso bonito.
- Por que feio?
- Porque olho no espelho e me vejo gordo, cansado, com olheiras, abatido. E ainda assim, eu não consigo parar de olhar pra mim.
- Você olha pra si mesmo ou para o seu ego.
- E você é exatamente as duas coisas. Sempre foi. Sempre será.
- Foi o que eu prometi.
- Não. Foi o que eu prometi diante do espelho.
- Portanto, sou você.
- Nunca disse o contrário. Talvez tenhamos mudado de papel.
- Não há papéis.
- Sim, há. Eu que nunca os peguei em minhas mãos. Minto. Peguei. Apenas uma vez.
- Por que apenas uma vez?
- Uma coincidência. Eu deveria ter seguido o plano original, mas, de qualquer forma, tudo mudou.
- Tudo, menos o seu reflexo.
- Não, ele também certamente mudou.
- O que você vê?
- Algum triunfo pessoal. Algumas inimizades. Alguns quilos a mais. Em processo de perda.
- Um processo que nunca se perde.
- A sentença jamais foi proferida.
- O processo ficou suspenso.
- Sim, está arquivado. Mas não em definitivo. Ninguém nunca incinerou os autos.
- E você fica aflito com isso.
- Sim. Odeio as reticências. Sou adepto à escola do ponto final.
- Mas você, enquanto um jovem estúpido, é incapaz disto.
- Talvez. Nem tão jovem. Bastante estúpido. Eu diria que um garoto mau.
- Mas você é inteligente.
- Mas não deixo de ser mau.
- Eu não acho.
- Eu não acho nada. Apenas o que o espelho me diz.
- Então, se o espelho é o seu reflexo e eu reflito você...
- Não. Você apenas aflige.
- Estou aflito.
- Estou contrito.
- O que é melhor? Seu reflexo ou uma foto 3x4?
- Tanto faz. A foto vai ficar presa numa identidade que você reflete.
- Mas eu não reflito. Eu aflijo.
- Eu contrito.
- Nós, atrito.
- Nós, desisto.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Você parte 2.


deitado nu debaixo de estrelas
em uma sexta-feira inusitada
na qual brinco de oferendas
a deusas que desconheço
mas que me desvirginam
e me fazem pecar em vão:
nada tenho além de uma mão.

da rejeição ao toque
ao transtorno do desatino
desafino
a mesma canção que estou tão cansado de
cantar
ouvir
tocar
gritar
chorar.

de fora do mundo vejo melhor
de dentro do surdo me faço de cego
tiro uma peça solta
e agendo minha próxima paranoia:
ouvir a distância não é melhor que tocar o próximo?
amar o mesmo não é melhor que tentar o próximo?

no conformismo das ideias vãs
a sutileza de uma flor já morta
ainda perfuma o ar.

mas não;
o perfume é artificial
caro,
porém, artificial.

busco em mim o que não tenho no sim:
o que encontro é o desasossego da mesmice
atiro no mundo o que não vejo em casa:
e sigo preso nestas barras imaginárias por idealizar demais.

brinco de libertário,
mas sou escravo do mundo.
deitado sobre uma cama de espinhos
e com os pulsos imóveis pelo que defendo.

na incongruência do eu,
sigo sendo uma extensão do você.

terça-feira, 19 de março de 2013

Sim.

confesso o erro vulgar
entre vírgulas
que aposto cujo aposto
está deslocado
tanto
quanto
o eu entre grades
o assassinato da sina
a sanha insana
da qual emana
a ausência de razão.

contra-argumento
contra tudo
encontro todos
neste conto inacabado:
o hoje que acaba de despertar
sepultando o ontem
sem promessa de amanhã.

manhã de chuva
fuga fugaz
tremores sem amores
dores sem sabores
adeus sem um deus
um beijo sem eixo
e o fim sem um breve sim.

Anticipating.


Era algum dia de 2002. Lembro-me de estar vendo um DVD da Britney Spears, na casa da minha madrinha. Era um dia de 2002, e eu não tinha aparelho de DVD na casa dos meus pais. E ainda que tivesse: nunca foi fácil dissociar a música pop da sexualidade humana. Existe um clichê barato que quem ouve Britney Spears é gay. E talvez não seja um clichê. Talvez estejamos tão atrelados a uma ideia de que tudo é separado em grupos comportamentais óbvios, que ouvir Britney Spears conduz necessariamente a ser sodomizado. Não importa o tamanho do fone de ouvido: ele está entrando em um buraco seu e, logo, você está sendo violado. Parabéns: em algum dia de 2002, você se tornou uma abominação.

Neste algum dia de 2002, um vulto chamado meu pai se materializou na janela da casa da minha madrinha. Top down, on the strip, lookin' in the mirror and I'm checkin' out my lipstick e lá estava ele. Algumas horas depois de ele mencionar expressamente que queria falar comigo. Algumas horas depois de minha mãe revelar que o primogênito estava... se envolvendo com homens. E não eram homens. O plural era singular e, contra todas as probabilidades, monogâmico. Não a culpo: creio no choque. Uma formação catedrática a fez perder o ar, quando, do alto da ironia, eu afirmei não estar usando drogas, mas, sim, dormindo com um homem. E, dentro de uma sociedade em que a droga é eternizada como o grande vilão, isso não deveria ser uma boa nova? Pois não o foi. Pedi sigilo, o mesmo foi quebrado. Ninguém nunca soube colocar um cadeado em diários, de qualquer forma. E, da inexistência de trancas e silêncios, levou-se à divisão de águas. Em algum dia de 2002.

Neste algum dia de 2002, eu ouvi que tudo era uma fase. E que meu pai jamais teria que se preocupar com o que minha mãe havia falado, pois, afinal, passaria. Era tudo uma grande confusão e que, inclusive, fazia parte do meu processo de amadurecimento. Em algum dia de 2002, isso poderia ser uma fase.

Mas não.

Nunca foi uma fase.

Em algum dia do mesmo 2002, ele percebeu que não era uma fase. E não foi o disco novo da Britney Spears que demonstrou isso. Não. Dentro dos clichês mais óbvios, meu pai preferiu escolher o fato de eu estar em uma fila de banco, pagando a minha faculdade, usando um par de brincos. Mas não. Não eram brincos grandes, de pressão, com formatos geométricos e absolutamente coloridos. Não. Eram brincos discretos, de aço cirúrgico, pequenos. A orelha ainda estava vermelha: provavelmente eu havia acabado de furá-la. Mas naquele momento eu não furei apenas uma orelha. Supostamente, eu furei a dignidade de um homem. Rompi violentamente o dogma do patriarca. As esperanças de um neto, um bisneto, muitas mulheres e o cara que estaria compartilhando imagens enaltecendo o flamengo nas redes sociais.

Talvez eu devesse pedir perdão.

Mas eu nunca mais pude comer biscoitos de chocolate.
Uma das coxas do frango assado não mais me eram franqueadas; quando muito, um pedaço seco de peito do mesmo frango.
Meu achocolatado foi cortado da lista de compras semanal.
Eu só tinha acesso a caixas de bombom quando, no meio da madrugada, eu roubava algum que ninguém sentiria falta (talvez o bombom de torrone, da caixa da Garoto);
Quase tive minha faculdade interrompida, se não fosse um golpe do destino que me colocou para trabalhar dentro da faculdade: dois anos trabalhando em troca de uma bolsa integral e um vale transporte.
Minha monografia foi passada  como um evento inútil.
Nunca recebi parabéns pela minha formatura.

Talvez eu devesse pedir perdão.

Mas não.

Eu apenas agradeço. Agradeço por ter sentido todo o peso do mundo entre paredes que eu era ironicamente obrigado a chamar de lar. Paredes que mofaram, num franco contraponto ao meu crescimento. Eu jamais me enchi de fungos: eu lutei contra teias de aranha e transcendi o buraco no qual eu poderia estar metido. Eu tatuei o baluarte da minha própria libertação. O amor que eu acredito está em minha pele, para todo o sempre. Corri de bar em bar. Pulei de cama em cama. Cada corpo com qual troquei suor foi o meu grito de independência. Bêbado e imundo em alguma esquina, eu era a própria revolução. Fumei cigarros manufaturados na bíblia que me condena. Me entorpeci de tanta força que arranquei do âmago, nos momentos mais absurdos possíveis.

"Eu apenas preferia que você nunca tivesse nascido".

"Você é uma aberração".

E todas as vezes que fui chamado de "sujeito", como se fizesse parte da escória da humanidade.

E há aqueles que acham que eu deveria pedir perdão.

Não. E hoje, eu perdoo.

A pessoa. Jamais o ato.

E por isso eu odeio o preconceito. Não só aqueles desferidos contra mim, mas também aqueles que partem de mim. Ora, sou humano. Perfeitamente falho. Luto diariamente contra a incoerência quando acordo, e analiso cada ato ruim quando pouso minha cabeça no travesseiro. Cada toque de meus dedos em meu teclado produz uma melodia de arrependimento e de análise. A certeza de que o ontem me leva para o amanhã, embora o hoje seja ainda nebuloso.

Em algum dia de 2013, contudo, eu continuo me sentindo top down on the strip, looking on the mirror and i'm checking out my lipstick. Ainda me sinto obrigado a me refugiar em uma montanha para demonstrar amor.

Ora, e como não, diante da verdadeira guerra ideológica travada?

Tornei-me blásfemo em legítima defesa. Odeio deus e todos os seus, alegando estado de necessidade. Ofendo cada religioso de araque que cruza o meu caminho argumentando estrito cumprimento do dever legal.

E ainda assim, não consigo me eximir de toda a culpabilidade. Tal qual o cristo que renego, estou pregado a uma cruz. Posso ser queimado em praça pública a qualquer momento. A morte soa uma redenção se, ao menos, eu tivesse a certeza do retorno no terceiro dia. Mas três dias jamais seriam capazes de mudar tudo.

Porque tudo o que cresci daquele algum dia de 2002 para este algum dia de 2013 não pode ser chamado de três dias.

Como gato, perdi todas as minhas sete vidas.

Fiz pacto com todos os demônios com os quais dormi em nome da minha crença.

Cada travesseiro no qual já afundei minha cabeça está manchado de lágrima.

Mas hoje, eu tenho todos os biscoitos de chocolate.
Devoro sozinho um frango assado inteiro, sem prestar contas a ninguém.
Mergulho em uma banheira de achocolatado unicamente para meu prazer.
Compro caixas e mais caixas de bombom e faço caridade com a gordura localizada do meu corpo.
Me formei.
Minha monografia se tornou a minha bíblia.
E me tornei um verdadeiro humano.

Em algum dia de 2002, isso jamais seria possível. Mas lá estava eu, anticipating.

This is my song they are playing:

Independência ou morte.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Soledad.


das quarenta e oito horas úteis,
o animal político
não afia suas garras
pelo menos
durante trinta e seis delas.
levanta trôpego de um sonho ruim
no qual estava em uma mesa oval
debatendo-se como peixe fora da prisão.
só.

dos sete dias da semana,
ela foge de uma masmorra imaginária
em apenas um
mas não tem tranças para jogar
a desafortunada rapunzel
apenas o gosto amargo do remédio debaixo de sua língua
que
não tão ferina
é incapaz de alcançar o céu da boca
e contar estrelas fantasiadas de afta.

não há melodia no hoje
a não ser as mesmas músicas do ontem
cuja folha do calendário já foi devidamente reciclada
a fim de tornar o amanhã sustentável.

ou suportável, enfim.

a besta desgarrada
toca de leve a pele do próximo
e
descontrolada
fere com o peso do ferro o já ferido que não é fera:
é brando e repousa as letras na selva do peito.
numa desculpa entredentes e sem pernas sobrepostas,
um boa noite ríspido e mais seco que o deserto em que vive.

de repente, um oásis.

mas não é sempre tudo uma ilusão?

o sonho da fuga do panóptico.

mas o grande irmão vigia.

e só a ele ela tem.

sábado, 16 de março de 2013

Rei do nada.


Danço entre adversativos mal postos
e adições aditivas em pingos inexistentes:
apenas o erro cotidiano
a ofensa que leio em jornais que sequer ouso abrir.

Sigo ereto, indiferente, com meu nariz vermelho.

Agradeço o dízimo da desgraça.
É ele que mantém a dignidade barata,
estas roupas poidas
e as teorias polidas
que jamais serão ouvidas.

Sapateio sobre sorrisos distribuídos
gratuitamente em panfletos baratos sobre a vitória:
apenas o acerto profano
o contrato assinado a rogo pelos idiotas a sorrir.

Sigo reto, indecente, ignorando o vil conselho.

Rasgo páginas do livro que embaraça.
É ele que determina a passividade estupefata
as esperanças perdidas
e as revoluções impedidas
que jamais serão vividas.



Porcos e seus aumentativos.

Porcos chafurdam-se em seus aumentativos
entre boas-noites indesejadas e vômitos inexpressivos:
o chiqueiro é aqui embaixo,
nesta senzala apelidada de direito social,
com seus meandros sedutores.

Bem-vindos à classe média, operários.
Abram seus livros e vejam seus desatinos
traçados pelas mãos de parcas trêmulas
contando misérias como fábulas
trocando trocados por pão velho
tudo em doze vezes sem juros da santa tecnologia.

Os encargos são cobrados do corpo:
alguns quilos a mais
gases
um dente quebrado
e outro prestes a cair.

Corvos palitam seus dentes recém-nascidos
na agonia aguda que rompe o silêncio não ouvido:
o ninho é aí em cima,
neste Olimpo apelidado de hierarquia
com seus gritos aprisionadores.

Bem-vindos à verdade, usurários
Fechem seus olhos e se ceguem à vontade
do recôncavo cosido de nossas peles
contando milhares como crápulas
trocando sapatos por novas vidas
sem impostos que nada doem no corpo da já morta ideologia.






domingo, 10 de março de 2013

Vergonha.


Tomo um banho, mas não lavo o rosto. Não por falta de higiene, pois daqui a meia hora tomarei outro (tenho obrigações capitais a cumprir). Mas para desafiar o espelho. Mostrar para ele que não: não existe perfeição, por mais que eu chore, esperneie, grite, corra. Por mais que eu morra. Então, me revelo com remela, marcas do travesseiro em todo o rosto, suor em demasia e olhos cansados. Muito cansados. Até o brinco está torto, de tanto cansaço. O cabelo, bagunçado, uma parte molhada e outra seca. Mas não vou pentear. E nem deixá-lo uniformemente seco. E nem dar forma. Quase chego a agradecer o escárnio que é a minha barriga. O estômago tão cheio de insatisfações que meu metabolismo não deu conta e veja onde fui parar. Pelos inflamados tomam a minha perna e não há milagre dermatológico que dê jeito nisso. Bem-feito para o espelho. Eu não tenho nada com isso. É ele que exige. Eu já lavei as minhas mãos há muito tempo.

As mãos, mas não o rosto. Ele continua em carne viva, de tanta vergonha. Me sinto febril, mas sei que é apenas o fato de não ter comido nada ainda hoje, somado à água quente que escorreu preguiçosa do chuveiro. Fechei um pouco o registro para economizar água, força motora do mundo. Fechei um pouco os olhos para economizar a minha vergonha. Depois de ter fechado tanto os olhos para a metamorfose na qual me tornei. Sou Gregor Samsa em 40m² e em uma cidade maravilhosa. Não. Não sou o tordo. Quem brinca de salvação é o espelho em chamas.

Eu apenas sou isso que ele reflete.

Que se danem os nós (?)


O grande duelo entre o eu e os nós
que atam e desatam mãos dadas pelo destino
no qual desacredito
embora as lentes escuras me refletissem
em meu ato de rebeldia
na luta pela minha fé
e
atrás delas
olhos
nus.

Guardo a esperança de que a carta não tenha sido aberta.
Desta forma, desfaço a cama do desespero
e consigo me mover nos lençóis do abandono.

Mas não o seu.

O meu.

Sentimentos em que o singular é permitido,
vêm embebidos em vinho barato
e me perco nos campos de cevada.

Divido-me entre o palco e o palanque.

Sou estrela porque tenho pontas afiadas.
Sou lua pois faço sombra ao seu sol.
Sou Marte guerreiro.
Sou Vênus em chamas.

Sou Deus.
Sou Maria, virgem em todos os aspectos.
Sou Judas, beijando a face do mundo.

E todas aquelas outras coisas nas quais não acredito.

sábado, 9 de março de 2013

Dirty Pop


Quando a crença que você comprou com dízimo corporal te escraviza;
esqueça a ideia de sentir a textura das paredes
em aventuras virginais;
você deu sua alma
e seu dedo
e sua unha
e uma marca além da compreensão
A grande pergunta feita é: quem sou eu?
Ou: o que vim fazer aqui?

E, de brinde, por que não abusar das palavras e soltar um trôpego por quê?
O video não reflete o ser como o som não é bem de ondas do mar.
e cadê o céu?
Me rendo ao que nego.
E renego o hoje que me foi dado.



sexta-feira, 8 de março de 2013

Feliz dia das mulheres.



Feliz dia das mulheres.
Parabéns pelos presentes recebidos.
Pela rosa que apenas reflete a cor de seu sangue
que, você querendo ou não, escorre das mãos do patriarcado.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Um marco feliz esse ano.



Bem-vindo, incêndio
que prenuncia o sofrimento do inferno
neste longo inverno que enfrento interno
a pensamentos sutis sobre revolução.

Na ação, nunca tive fé;
em repouso, aplaquei argumentos
diante da plateia incrédula
me fiz pagão aos olhos cerrados

Gritei igualdade
banqueteei um povo faminto com princípios
enchi de romance um conto então sem final feliz.

Mantive a crença.
Me afastei.
Me perdi.

E então, o corte da Corte
na supremacia de seus dizeres
oferece dignidade aos perdidos
"Sem mais gueto", o Magistrado disse
Logo, não mais me escondo.
Marco em meu ombro a bandeira do que era apenas um peso
E, no abuso da camiseta cavada, revelo quem sou.
Ou talvez num súbito beijo
Que não me importa ser proibido a olho cru.

Engulo o sal das lágrimas com orgulho ferido
por uma batalha hoje vencida pelo inimigo
esse deus maldito propagado pelas quatro esferas
que nada de bom traz
além da discórdia e contas abarrotadas.

Mas não.
Forjei minha espada e abaixei meu escudo.
Vou de peito aberto gritando segredos.
Vou de braços fortes estilhaçando medos.

Meu coração é um carro-bomba;

que está na hora de explodir.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Rio de medo.


Da província que deixei,
colho os frutos da terra que não arei
e planto apenas abandono.

Hoje, rio de medo
do desacato barato
da enchente de gente
do enxame de vexame
da venda sem venda.

Rio de medo
do estandarte vândalo
do descaso a olho nu
do nu na avenida central
da fome em minha porta.

Rio de medo
do aparelho levado
do leva e traz insosso
do pandeiro alegre e sofrido
da esperança latente nos olhos.

Rio de medo
do rio que transborda emoções
de ter sido acolhido pelas canções
e de ser aceito pelo que sequer sei o que sou.

Rio de medo
Para não chorar de desespero.

Estorvo.

Contendo a contenta,
contento o descontentamento,
com mais algumas palavras sem sentido
dentes sem precedentes
cedo espaço ao sedento
e adentro mais uma sala ainda vazia.

Onde estão os dançarinos desta falsa valsa?

Sofro o triste alvejo,
solfejo o sofrimento,
movendo sem qualquer dó os dós deste piano.
Expiando o espião
pronuncio a minha sede
e proponho uma revolução aos astros.

Qual o ângulo possível entre o sol e o sou?

Tateio as entrelinhas do meu mapa
Em táticas vulgares do querer saber quem, se e qual razão
Arrazoo num voo o qual perdoo
Um pouso sem repouso destas asas ainda a bater

Eu sou o estorvo.
E minha própria salvação.


Amanhã de manhã.

Eu não aguento mais esse ar viciado. Da mesma forma que eu não mais suporto olhar para os estilhaços deste espelho no qual me faço vários. E a verdade é que nenhum destes cacos realmente me agrada. Talvez os mais novos. Talvez aqueles que, de tão antigos, já não fazem mais parte de mim, mas que vejo com algum apreço. Eram estilhaços bons. Hoje, sobram apenas os cacos de um eu ônibus em chamas: guardo o coletivo em mim, mas será que ele está realmente seguro?

Com a visão um pouco turva, seleciono cuidadosamente um bom disco para ouvir. Tenho receio de escolher um som muito revoltado e terminar me debatendo no chão. Mas também tenho medo de encher a vitrola do mais puro vazio. O velho dilema do pensar versus não pensar. Do agir versus ficar quieto. Devo atear fogo em minhas roupas e desfilar nu nesta avenida que não festeja nenhum carnaval? Devo distribuir presentes sabendo que o natal é apenas no futuro, aquele tempo verbal intangível e de difícil conjugação? Porque se o futuro do verbo ver é verei, quem realmente vê o rei? 


Quem é o rei? Nesta desinência modo-temporal, não tenho modos, não tenho tempo. Forço boa educação a cada ponto de exclamação que involuntariamente aponho no final de cada frase. Meu lugar na fila do mercado é sagrada, diante da falta de lugar no mundo. São onze da noite e estou engasgado com a fumaça de um cigarro. Descrente em crenças absolutas. Deslizando entre uma cadeira ou outra tentando apaziguar a espinha. Tirando espinhos do céu da boca. Quando mesmo limpei os meus dentes? Quando mesmo eu mastiguei algo concreto? Minha roupa está impecável para interpretar esse papel social barato que me é imposto? Será que minha foto nas redes sociais está realmente adequada? A quantas anda o meu inglês? Se a taça do mundo é nossa, em que copa posso colocar um tapete e, quem sabe, esconder debaixo dele a quantidade de sujeira que venho acumulando debaixo de minhas unhas roídas?


Subitamente, engulo café quente e penso ter tomado uma grande decisão: parar de murrar pontas de facas e trocar o saco de areia por algo móvel. Algo vivo. Numa suprarrealidade onde não sei quem são os amigos e os inimigos, disparo uma arma imaginária, feita com a ponta dos meus dedos, para todos os lados. Meto um dedo na ferida de um suposto inimigo, e aponto uma proteção para a tempestade para um amigo com o outro. Tenho dez dedos nas mãos para distribuir equitativamente entre justiças e injustiças. Um dedo para cada caco que agora recolho do chão. Duas mãos sangrando para tentar colar o velho espelho e me ver, algo desfocado, no amanhã de manhã. 


No futuro de difícil conjugação, mas que conjuro meu.