domingo, 13 de outubro de 2013

We Can't Stop: a exaltação da igualdade através do látex condenável.


Demorei muito tempo para falar apropriadamente sobre o que achei da performance da Miley Cyrus no VMA, e, de uma maneira geral, sobre todo o seu comportamento na era "Bangerz", seu terceiro disco de estúdio (quarto, se contarmos o "Introducing Miley Cyrus" como um álbum, posto que ele era um disco bônus de uma das trilhas sonoras de "Hannah Montana"). De um lado, essa demora se deu porque eu queria esperar o disco sair para entender se a vibe de "We Can't Stop" se fazia presente na "obra" tomada em seu conjunto. De outro, precisava confirmar minhas intuições através de algumas pesquisas.

A primeira indagação a que chego, muito além da discussão sobre a roupa dela estar ou não apropriada, ou, ainda, se é bonito ou não ela ficar colocando a língua para fora é: se essa nova postura da Miley Cyrus reafirma a masculinidade hegemônica, ou faz que ela ajude, de certamente, a  desconstruir a questão de gênero quando ela se coloca num patamar de fazer exatamente o que um homem faz dentro do mainstream (ostentação, conteúdo sexual desenfreado, etc.), só que, diferentemente do homem, sofre uma avalanche de críticas.

A investigação primária é: a quem essa conduta da Miley está servindo? Sem dúvidas, afirmo categoricamente que é ao capitalismo. Ela está sob a guarida de uma grande gravadora, com um trabalho arquitetonicamente planejado de publicidade, está em todos os canais de televisão e em primeiro lugar nas paradas musicais de 70 países. Do contrário, ela poderia ter feito um trabalho intimista, autobiográfico, sem apoio da gravadora. Cyndi Lauper lançou, em 1996, um álbum sem maiores divulgações, o "Sisters of Avalon", com conteúdo pessoal, e, a despeito do pouco sucesso, a crítica o aclama como um de seus melhores discos. Miley tem dinheiro para isso. Ela é filha de um dos maiores artistas country dos anos 80, afilhada de Dolly Parton e fez fortuna com Hannah Montana. Mas, não, ela escolheu o caminho mais fácil e, obviamente, mais dúbio, porque ela se coloca muito mais em evidência: o comportamento dela, então, adentrando em milhares de lares, afronta posições conservadoras e torna difícil estabelecer qual o serviço - ou desserviço - que o capitalismo, no caso, gera no seio social.

Contudo, o mainstream não se constitui de uma via única. Não se trata aqui de simplesmente jogar na sociedade a ideia de uma mulher estar agindo fora dos padrões patriarcais. O maistream busca na sociedade a inspiração necessária para a produção intelectual e a introjeta, depois de devidamente "refinada", como um produto a ser consumido. Então, aqui se conclui que não necessariamente a ideia vendida com o comportamento de Miley seja uma vulgarização da sexualidade feminina. O que defendo, por ora, é que a ideia de que a mulher não pode ser vulgar foi coletada pelo mainstream e jogado no palco do VMA na forma de Miley Cyrus protagonizando uma cena tida por grotesca, com a participação de ursos gigantes e insinuações de masturbação.

O raciocínio aqui é igual ao utilizado pelo mundo da Moda: há uma pesquisa de tendência que, depois de apurada, é lançada no mercado no formato do hype, do must-have, da necessidade vital de consumo. 

Logo após a performance do VMA, li na internet um texto (que agora não consigo localizar) que comparava o comportamento da Miley com uma cantora dos anos 80, que se preservou e não se valeu da erotização para fazer circular a sua música. Foi mais ou menos neste sentido a "carta aberta" de Sinead O'Connor insinuando que Miley estava se permitindo "prostituir" (cujo subtexto já toma como princípio que a prostituição é uma coisa negativa em sua essência). Porém, esse pensamento é reducionista, porque temos exemplos no mainstream, como Madonna e Cyndi que, por mais que se prestassem à manutenção do capitalismo - já que encontravam inequivocamente presas por contratos, geraram uma comoção comportamental. Cyndi faz uma ode à masturbação feminina em "She Bop", trilha sonora de "Os Goonies", e Madonna leva a insinuação para o palco. Assim como nos anos 80, temos hoje artistas femininas se COLOCANDO enquanto personalidades inteiras, e não apenas um substrato do domínio masculino.

Nicki Minaj, uma rapper negra que foge deliberadamente do padrão corporal prescrito pela misoginia presente no rap, Rihanna, que foi vítima de violência doméstica e que, alguns anos depois, reatou com o seu agressor, o que também foi tomado com um escândalo e cujas conclusões devem seguir a mesma lógica que aqui é exposta, e, por fim, Miley, ainda que estejam servindo ao capitalismo, podem, de uma maneira controversa, estar efetivamente influenciando o comportamento de milhares de mulheres. Porque, em 2013, elas se colocam em uma posição da nudez, da exposição, da provocação (do corpo e da alma) para falar, tanto do amor - terreno tido como eminentemente feminino, uma vez que o masculino é/era apenas impulso sexual - como do carro que acabaram de comprar com o dinheiro delas, colocando o machismo, no chão. A igualdade aqui se opera não "de baixo para cima": as mulheres não estão, representadas por Miley e cia., buscando subir escadas numa escala social construída historicamente para alcançar equivalência com os homens. O movimento é natural: elas apenas estão em pé de igualdade. A mulher que fala de carro, fugindo da ideia padronizada de ser uma gostosona que figura no videoclipe como mera extensão do veículo, apenas mais um objeto de prazer do pênis, agora fala de suas propriedades - materiais e enquanto ser humano. Ela pode, ela trabalha, ela compra.

Contudo, esse pensamento ainda precisa ser sofisticado a ponto de impedir um deslize conceitual que outros experimentos musicais do gênero tentaram. Em "Irreplaceable", da Beyoncé, ela trata o seu poder econômico como uma forma de lidar com o recalque de um término de um relacionamento. Ela subjaz o seu recalque ao fato de ser detentoras de posses e expulsa o ex-par romântico de casa. Os versos "Rolling her around in the car that I bought you, baby, drop them keys, hurry up before your taxi leaves" apenas evidenciam a construção social de que a mulher é inocente e não pode ser traída, e coloca como única arma disponível o dinheiro. Em "Like a Boy", da Ciara, a presença do outro masculino também se torna fonte essencial de busca, não por superação, mas por equivalência. Constroi na música uma atmosfera em que a mulher pode fazer exatamente como o homem, que é fazer o parceiro romântico chorar, que é estar festejando às quatro da manhã. Em ambos os casos, o padrão perseguido é a figura masculina. É uma imitação barata do modus operandi masculino, e não uma (re)afirmação do conteúdo feminino.

Então, a sensibilidade que deve permear o raciocínio, ao tratar de assuntos como a performance de Miley Cyrus é a de diferenciar, no conteúdo do mainstream, a exaltação do feminino enquanto celebração da igualdade efetiva, da mera utilização de elementos misóginos (como a "perfeição corporal" e a ostentação econômica) como forma de reagir à opressão masculina. Sem essa precaução, corremos o risco de cair na mesmice da condenação vazia, e, inevitalmente, da reprodução dos padrões machistas que contaminam a sociedade.

domingo, 18 de agosto de 2013

Despertar.

De todas as minhas manhãs passadas em Teresópolis, as minha preferidas eram as que eu acordava cedo no domingo, com a temperatura exatamente igual a que está hoje. De moletom - peça que desonra qualquer guarda-roupa, porém, extremamente necessária em uma cidade serrana - e meias nos pés, eu saía do meu quarto e tinha um café quentinho me esperando - já adoçado, hábito do qual me desvinculei, já que hoje só uso adoçante. Comia um pão francês com manteiga e via alguma série que estava passando em um dos canais de ficção científica que minha mãe sempre assiste. Com um pouco de sorte, estava sintonizado na Warner e eu já começava o dia com risadas de alguma reprise de alguma série que já havia sido cancelada há, pelo menos, três anos. Na pior, minha mãe estava ouvindo música - e eu digo "na pior" porque muito provavelmente era algum destes padres pop que me despertavam. Sentava no sofá e recebia o bom dia religioso dos seis poodles. Certamente dali a uma ou duas horas eu brigaria com a minha irmã pelo motivo mais idiota do mundo, como chamar uma amiga mal vestida dela de... mal vestida. Claro que eu fui um babaca todas as santas vezes que eu fiz isso. Mas se existe uma função para os irmãos mais velhos é encher o saco. E se existe uma função para os irmãos mais velhos gays, definitivamente, é zelar para que a irmãzinha não ouça um TEJE PRESO pelo Fashion Police que é a vida. Mas tudo bem. Dali a mais uma meia hora nós certamente estaríamos nos lambendo e, sei lá, ouvindo a trilha sonora de Pokémon trancados no quarto, deitados na cama, contemplando o mato crescente de cujo orvalho perfumava toda a casa. Para a hora do almoço, eu pedia - e quase rezava - que minha mãe fizesse salada de maionese. Ou farofa. Ou os dois. Mas pedia - e quase rezava - para que ela não fizesse o tal do lagarto redondo com aquela linguiça enfiada no meio, com molho de queijo e creme de leite. Eu achava a carne seca. Mas se fosse frango assado com batata, ou bife à parmigiana, a alegria era certa. Domingo era dia de comida especial, algo tão sagrado como o lanche destrutivo de dietas do sábado à noite. Me lembro até hoje da panela gigante na qual eu derramava farinha vagarosamente para a massa de rissole não embolar. Ou, então, de todas as vezes que eu roubava massa de pizza crua enquanto ela estava descansando. Nem sei se minha mãe descobriu que eu fazia isso. E, por mais estranho que pareça, eu realmente gostava de comer aquela massa crua. Provavelmente, muito mais pelo sabor de proibido do que pelo gosto em si. Depois do lanche, ou eu saia às pressas porque tinha algum evento social inadiável - o que, em Teresópolis, irremediavelmente implicava em ficar sentado em algum posto de gasolina jogando conversa fora e bebendo cerveja em lata - se eu tivesse dinheiro - ou refrigerante com vodka barata - se fossem tempos de vacas magras. Ou, se eu não saísse, era mais um pouco de televisão e cama.

Era simples. Bem simples.

 E eu sinto falta disto. Em manhãs como a de hoje, em que, bebendo o meu café, fumando meu cigarro, ouvindo minha música, eu entendo a profundidade do "nosso". É muito mais que DNA. E, ao contrário do que gritei várias vezes, não é um fardo. É amor.

sábado, 3 de agosto de 2013

i'm not okay (i promise)

Dotado de alguma estranha consciência, resolvo pular uma refeição, já que o sono não vem. Um misto de "saco vazio não para em pé" com a same old necessidade de fazer o vazio machucar. Porque a mola propulsora do amanhã é sempre o hoje doloroso. Claro, lembrando que o amanhã já é hoje e certamente todos os planos jamais serão concretizados. Ou teremos chuva ou teremos falta de vontade - informa a previsão do contratempo. Ou teremos manifestação ou teremos desolação - informa o noticiário das inverdades. No final das contas, o que sobra é o conforto sufocante do sofá cinza. Nele jazo.

Resolvi passar algumas fotos do hoje que poderia ter sido meu, caso o impulso e o medo da prisão não me fossem tão inatos. Basicamente, tudo o que eu queria estar fazendo. Mas, de alguma forma, a celebração do sobrepeso e a ostentação estética me ofendem. Me ofendem porque são duas da manhã e eu estou aqui cercado de madeira, com cheiro de cigarro na mão, uma certa fome, e um copo de café já frio.

Somando tudo, é apenas recalque.

São duas da manhã e estou há mais de uma hora respirando fundo o suficiente para dar conta da ansiedade que bateu à porta que eu abri para decidirmos quais sabores de chá inundarão as horas que ainda me restam até o próximo placebo.

Como dividendo, temos a irremediável solidão.

domingo, 2 de junho de 2013

Xadrez.

quisera eu correr na mesma velocidade que o desespero,
ou me alimentar apenas das palavras que escrevo,
das notas que entoo,

mas não.
me sobra apenas o papel cínico que interpreto,
neste teatro de fantoches descoloridas,
submerso em madeira pagã,
da qual faço minha cruz.

Ando em L.

quisera eu desacelerar o ritmo deste desalento,
ou apenas repousar este corpo sonolento
cheio de enjoo,

mas não.
me sobra apenas o corpo pálido que espeto,
neste cinema de almas perdidas,
emergindo em vaidade vã,
da qual escapo sem luz.

Cá estou, diagonal.

quisera eu ter a sorte de prover meu próprio sustento,
ou então pousar em mim algum olhar atento,
para alçar voo.

mas não.
me sobra apenas a fome na noite em que desperto,
neste palco de pessoas sem vidas,
pairando nu em qualquer cama sã,
a qual devo fazer jus.

Xeque-mate.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Horses.

Ato I - Glória.

Eu queria que as minhas inimigas me vissem agora borrifando Carolina Herrera na sala porque o Bom Ar acabou.

Ato II - Redondo Beach.
Foram feitas projeções sobre como o homem será em 3014. Aumentará de tamanho, suas mãos ficarão mais longas, os olhos vão se aproximar e...o cérebro vai diminuir. E me pego na cozinha pensando "já tem meia hora que eu comi? Melhor comer meu arroz integral feat. solidão. Não quero perder massa muscular.

Mas estou aqui, diminuindo o cérebro. E está lindo.

Ato III - Birdland.
Tudo, absolutamente tudo, nesta vida, é falso. Não há nada atrás de você, a não ser um pano verde. O tal do chroma key. Provavelmente, nem você está ali. Está em outro estúdio - ou outra vida - sendo eletronicamente projetado para cá. Você não está sentado em um sofá. Apenas te manipularam, como boneco, para que ficar nesta posição ultrajante. Portanto, você não está confortável. Mas tudo bem: você é de plástico. Se quebrarem, consertam, jogam fora ou compram outro. O fetiche de desmontar o próximo e remontar um show de aberrações. Seu braço é seu nariz, seus olhos estão no umbigo e o rabo, entre as pernas.

Ato IV - Free Money
Acho que os meus momentos comigo mesmo - que agora são muitos - precisam ser organizados. Preciso dividí-los em três grupos: o amanhã profissional, o amanhã físico-emocional e o amanhã intelectual. E, embora exista a possibilidade de dividir os três pesos, dando mais ênfase para a algum e menos para os outros, eu simplesmente não consigo. Não é me natural. Quando eu deposito algo em algum amanhã, eu o faço com toda a minha força e velocidade. Modifiquei meu corpo visivelmente com a academia, em quatro meses recém-completados. Em quatro meses. Porém, o amanhã intelectual está prejudicado. Hoje, depois de muito tempo, voltei a estudar música. Pegar discos antigos, de artistas que eu sequer ouvia há duas semanas - apesar de seu peso e importância no mundo do entretenimento -, ler letras, ver histórias. Muito tempo. Notei que parei de baixar apenas singles, apenas por ter preguiça de ligar o computador, baixar a mp3 e sincronizar no iPod. E, devo assumir, muitas vezes voltei do trabalho SEM OUVIR MÚSICA por não estar aguentando mais. "Não tem música aqui". 78 Gb de música no iPod e eu falo "não tem música aqui". Certo. É esse sim o seu problema. "Tudo bem um amanhã em que sou gordo ou sozinho, se eu tiver sofrendo em Paris". Ou, talvez um "Tudo bem não ter lido todos os cientistas políticos do mundo, o que importa é que essa poltrona-do-papai está incrível". Mas, não. Não quero um amanhã cultíssimo e magro e com a pele incrível e os dentes iguais os de comercial de TV. Deveria querer. Mas não. O meu maior pavor, e que me faz depositar cada vez menos esforço nele, é um amanhã profissional fracassado. Depender dos outros. Sério. Não.

Ato V - Kimberly
Mermão, já era: estou passando o biscoito de leite desnatado na pastinha de soja de berinjela.

Ato VI - Break It Up
Como é viver a vida em preto-e-branco? Por favor, encarem todas as implicações filosóficas da pergunta. Eu me recuso a acreditar que antes da TV a Cores, as pessoas tinham cores. Era todo mundo em preto e branco. Tinha até um ou outro, mais sacaninha, que era sépia. Podia ser proposital. Podia ser a velhice e sujeira no vidro da tela. Mas cores? Não.

Ato VII - Land Horses
Do vocalise até o sintetizador,
sou seu.

Ato VIII - Elegie
Este é a pior parte deste estudo musical: eu descubro que Hilary Duff sampleou Patty Smith e tudo o que você quer é: morrer de vergonha.

Ato IX - My Generation
Vocês estão pegando o lado errado desta estrada. Vocês estão tomando sopa para não ter que mastigar, na mesma velocidade que pretendem comprar uma ideia pré-fabricada do que desenvolver um pensamento. Em todas as esferas: tem empresários que simplesmente gastam milhões para ter a opinião de algum "especialista" que, francamente, é exatamente igual a de uma revistinha de auto-ajuda. Assim, tem também o cara que lê um jornalzinho por semana, acredita em tudo o que está escrito e, Veja você: temos mais um robôzinho. Tudo muito fácil, tudo muito inventado. Voltemos ao Chroma Key: você está solto num espaço vazio. Não há nada além do mais imenso nada. Com um fundo verde. Mas não um verde-natureza. Você não se sente em uma grande árvore, seguro pelos galhos, protegido pelas folhas. Você é apenas um experimento científico, com aquele verde que berra muito mais que você, um berro mudo, sem cordas vocais. Jogam atrás de você um cenário único. Você, bem-sucedido, que já viajou todo O Globo. Tem seu carro, sua esposa e suas adoráveis criancinhas loiras, vermelhinhas pelo sol que afetou suas peles tão clarinhas. Sua casa, com um lindo quintal verde e, de longe, vê o cachorro latindo porque tem algo sendo depositado em uma caixa postal que ostenta um lindíssimo "MAIL" em dourado.Corta. Você não é isso. Você é só mais um que está pegando o ônibus de manhã, com seu uniforme amassado e o colarinho manchado do seu suor. É só mais um que, ao descer do ônibus, corre o risco de ser assaltado por alguém que tem menos sorte que você. Como, claro, se você tivesse sorte. Ainda não ganhou na Mega-Sena, que você, religiosamente, joga toda semana. O novo sonho brasileiro. Mas está imóvel no cenário. Não ingere uma palavra, quem dirá digerir um livro.  Pega o seu dinheiro no final do mês e paga o seu aluguel na cobiçada Rua da Mentira. Paga o seu carnê da Farsa Própria. E continua respirando em seus pulmões de plástico. Sendo examinado com um estetoscópio de borracha. Sendo medicado com um placebo barato. E sendo morto por balas Juquinha. E, então, desmontado e remontado. A sua cabeça está nas suas costas. A suas orelhas agora pulsam no lugar do seu coração.

E no final das contas, você meteu os pés pelas mãos.

Canvas.

Quero rasgar cores e fazer vida
pincelar amores e colar o vento
que passa e leva metade de sono
entre a apreensão branca da tela e o alívio inventado da moldura.

Tal cubismo, caleidoscopio-me em fragmentos alegres
mas, tal labirinto, esbravejo contra o centro sépia
desafio pirâmides com a fumaça da fome
me reinvento em um talento inventado.

Quero cantar dores e brindar a avenida
esculpir pudores e cortar o alento
que laça e prende o completo abandono
entre a agressão vazia da cela e o declive aluado da fartura.

sábado, 25 de maio de 2013

best regards.

demonstrei entusiasmo enquanto epitáfio
e você, lápide, me retornou marmóreo,
mas sem um ponto final.

nesta suspensão,
posso ter braços abertos em uma estante
e, em um instante,
não ser mais família e aceitar o deserto da passarela.

de alguma forma,
eu só quero ver o pôr-do-sol de minha carruagem
indo para minha casa, ao invés de para a sua.

mas, por não ter flores a oferecer,
sou jogado no ordinário.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

al ego ria.

a exaustão não passa da mente pro corpo
em uma turnê de não-me-toques;
o corpo reconhece o descontentamento,
e manda a súplica para a mente.

mentirosos brincam de mornidão,
enquanto a verdade jaz gélida neste já tão instantâneo.

a combustão não se faz da noite pro dia,
em uma incursão de enfoques;
o dia que explode é a noite que chora,
no irrazoável de quem mente.

santos transfiguram seus rostos
enquanto túnicas cavalgam campos de devassidão.

revoltosos bradam seus vazios
versões estupefatas de seus umbigos alegóricos,
sentenciando o réu ausente
silenciando o céu pendente,
já que o inferno está pronto
e o purgatório, em manutenção para melhor servir-nos.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

E quando deixa de virar estética e vira saúde?

Minha adaptação no Rio de Janeiro, entre trancos e barrancos, foi, digamos, satisfatória. Tenho amigos maravilhosos (e a quantidade de gente que compareceu no sábado para me dar um abraço por meu aniversário prova isso), um marido que supera todas as expectativas, que, além de me presentear diariamente com sua beleza, ainda me apresentou todo um novo conceito de "família", um emprego que garante meus ~luxos~, onde conheci verdadeiros amigos para toda a vida, e tenho tido a oportunidade de estudar. Contudo, para concluir isso, eu passei por muitos altos e baixos. Teve perrengue brabo, teve frescura minha, teve de um tudo. Acredito sinceramente que passei diversas vezes por processos depressivos, mas que, diante de todas as coisas maravilhosas que tenho angariado nos últimos três anos, eu consegui driblar, de certa forma.

A única coisa que me incomodou muito foi o meu peso. Em Teresópolis, eu tinha uma vida que me permitia ficar cinco horas diárias dentro da academia, correndo, puxando ferro e, óbvio, me entupindo de café. Quem malhou comigo naquela época sabe que a cada exercício que eu fazia correspondia a um golinho de café. No Rio, deixei de ter isso. Foi muita mudança, não tinha academia perto do meu primeiro apartamento e, no duro, eu queria me acabar de comer em tudo que restaurante que a minha "nova vida" me proporcionava. Claro, em Teresópolis, ao mesmo passo que não existe uma grande variedade gastronômica, a que existia, estava muito além do meu poder aquisitivo.

Resultado: engordei 23 inacreditáveis quilos. Saí dos 70 maravilhosos quilos (em que eu parecia uma boneca Bratz) para os surreais 93. Saí da seção infantil da Leader Magazine para ser ofendido com NENHUMA peça da Zara entrando no meu então corpo roliço. Claro, isso me incomodou. Muito. Não pela imposição estética, mas também por ela. A verdade é que eu nunca me importei muito com a ideia do "corpo do outro". Nunca classifiquei pessoas pelo formato do corpo ou o seu manequim. É torpe fazer isso e, embora sempre existam brincadeiras - que, shame on me, são fruto de uma condenação social daquele que foge do padrão imposto -, o fato mesmo é que não estou preocupado com o próximo - ao menos, não neste sentido.

Em dezembro de 2012, uma resolução: decidi emagrecer. E decidi emagrecer sobre uma mesa de doces natalinos, na casa da minha sogra. Eu vi que aquilo tudo não poderia/deveria me pertencer. Eu estava me achando feio. Alisei o cabelo para competir com a barriga que pulava da bermuda de elástico. Enfiei uma colherada generosa de pavê na boca para me punir: eu não estava me amando.

Estou contando quatro meses de vitórias e alguns escorregões. Sou humano, after all. Mas foram quatro meses de muita esteira, de termogênico, de esporro na academia porque eu só corria - e não malhava. Quatro meses em que tirei um milhão de fotos na frente do espelho e cheguei a chorar, silenciosamente, porque a barriga parecia não sair do lugar. Quatro meses em que pude finalmente uma regatinha M Navy incrível que comprei ano passado, mas que, obviamente, jamais entrou em mim. E quatro meses que, finalmente, entro em qualquer loja e peço uma camisa P.

Voltei a me amar, enfim.

Mas hoje, vinte de maio de 2013, a algumas poucas horas de completar 28 anos, teve uma cena singular que me fez repensar o que é isso tudo. Depois do meu treino, eu decidi que não iria correr hoje. Estou cansado, o plantão ontem foi um pouco cansativo e, como eu já formei minha opinião de mudar de academia (pela segunda vez) para uma que tenha aulas de Spinning (a salvação da lavoura nesta última barriga), acho que posso aguentar dez dias sem forçar no aeróbico e entrar junho afrontando as fogosas no bike indoor. Estou me alimentando, de uma maneira geral, exemplarmente, portanto, sem crises. Me deitei no colchonete para fazer abdominais, e um senhor, beirando os sessenta anos, parou do meu lado e começou a se alongar. Sério. Eu fiquei ENVERGONHADO. Eu tive a prova viva, a cerca de um metro de mim, que inexistem limites para o corpo. Muita elasticidade. E alguma coisa no olhar - determinado - dele me mostrou que nada daquilo que ele estava fazendo tinha a ver com estética. O cara exalava saúde. Eu pude ver em cada centímetro da pele dele que as taxas sanguíneas dele, muito provavelmente, estão melhores que as minhas. Fiz uma série a mais de abdominais do que manda o programa. Porque eu finalmente entendi o que estou fazendo ali.

A gente vê pessoas condenando gordos diariamente. Eles são, para a máxima social, um sinônimo de ausência de saúde. Da mesma forma que eu vejo pessoas entrando no perfil da Gracyanne Barbosa condenando o estilo de vida dela. Mas não, queridinhos. A realidade não é este paradoxo que vocês gostam de lançar diariamente apenas para tentar aplacar o recalque de vocês. Foda-se a Abercrombie e a crença de seu CEO de que "só existe tamanho XL por conta das pessoas com músculos hipertrofiados". Ninguém aqui pode pretender combater a homofobia, discutir sobre a distribuição dos royalties de petróleo ou xingar os envolvidos no Mensalão enquanto vocês tiverem uma visão tão deturpada sobre onde começa a política: o colega do seu lado.

A grande lição de hoje? Não sejam bonitos: sejam saudáveis. E saúde não é uma barriga tanquinho ou um bíceps de 40 cm. Saúde é ser feliz: seja comendo 150g de batata doce com peito de frango, seja comendo um BigMc.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Demétria.


Não me surpreende a fuga na inocência do ontem,
tampouco perpetuar o vazio das notas falsas:
apenas assim me sinto menos só.

Não me afugenta olhar as fotos envelhecidas,
e já não me apavoro com o osso contra o ocre:
faço do súbito grito na calada da noite calada,
meu amigo imaginário.

Eu, que tinha por único medo a solidão,
lido com ela de maneira implacável:
todas as poucas conversas são providas por cabos de fibra ótica
que, ironicamente, não servem para me deixar sem ar.

Não há tato, só há teto.
Sem mais paradas, só há paredes.

Mais um gole do café insípido e outro vídeo indesejado.
Mais um bocejo emaranhado na fumaça de oito cigarros.
Mais um pedaço deste sanduíche feito de pão velho e queijo vencido.
Menos uma noite de vida neste desespero.

Revisito portas, curas e igrejas,
disparo o corpo vão do arranha-céu de Demétria,
e ele é cortado pelo inverno frio do oeste.

Com um pára-quedas, toco o chão vulgar.
Durmo ao raiar do sol e acordo suspenso,
entre pesos e suores,
aguardando a próxima noite eterna.

Estou desesperado.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sobre tapetes e janelas.


A vida nada mais é do que um grande salão, cheio de tapetes. Das mais variadas cores, formas e tamanhos. Debaixo de cada um destes tapetes, acumulamos sujeiras. E nossa única função aqui é varrer a sujeira debaixo de um tapete para outro, imprimindo movimento a todos os incômodos. 

Porém, é preciso deixar janelas abertas neste salão. Com a corrente de ar, cada vez que passamos a vassoura na sujeira, a poeira sobe e vai embora. Claro, há o embaraço de entrarem novas sujeiras, novas folhas caídas do outono. Mas, de qualquer forma, é um embaraço novo. Uma novidade para se lidar.

O que não é possível é o medo de se mexer nos tapetes. Deixar a sujeira encrostar no assoalho, até o ponto em que você estará escondido no canto da sala, trocando a chance de se aquecer na lã quentinha por simplesmente ficar no frio paralisante.  

O tapete foi feito pra voar.

A vida, pra viver. 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

uma prova.


entre uma baforada deste cigarro molhado e artigos de lei, engasgo gargalhadas.

entre músicas sem sentido e o silêncio que agoniza, acabo escolhendo um poema seco.

entre bocas anônimas e o cobertor indigesto, cuspo bolas de pelo.

Pelo menos isto indica que estou vivo e que algum dos desejos o gênio da lâmpada atendeu.

entre as fotos da novidade, só vejo o que já está apodrecendo de tão velho. e, não, não consigo desviar o olhar dessa boca ressecada, o olho inchado, as bochechas assimétricas. desculpem-me, mas "otimismo" não está incluso na minha longa lista de defeitos.

mas tudo isso é para mascarar o desespero. busco aplacar o medo com a beleza, mas sou incapaz de ignorar a desgraça. ela, de certa forma, está impregnada na pele.

hoje derramei três gotas de pânico no meu colarinho mal passado.

mas tudo bem, amanhã eu troco de camisa.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Marcas

Marquei que a vida seria um jogo.
Marquei o meu sexo.
Marquei o que importa.
Marquei o signo que dizem me reger.
Marquei a justiça de pernas bambas.
Marquei a transação não terminada.
Marquei toda a minha tolice.
Marquei toda a minha entrega.
Marquei a valsa que me desgraça.
Marquei o aleatório dos dias.
Marquei meu coração estrangulado.
Marquei o nosso brilho.
Marquei a inocência.
Marquei a maturidade.

E agora marco que preciso de mais sonhos.
E de menos vida.


domingo, 7 de abril de 2013

o fermento azedou, a lona caiu.


Hoje, uma amiga me chamou no chat do Facebook para falar que a prima dela fez uma postagem colocando os evangélicos como "vítimas da ditadura gay". Entre algumas outras baboseiras, ela mencionou que "a realidade dos fatos é que a intolerância não é dos evangélicos, mas dos ativistas que querem empurrar goela abaixo da sociedade suas práticas em flagrante oposição aos preceitos de Deus, exarados em sua Palavra (Romanos 1.24-28; 1Coríntios 6.9-11; 1Timóteo 1.10)."

Tenho que discordar.

A realidade é que as pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer.

Existem duas meias-verdades na argumentação dos evangélicos: a primeira, é que de fato eles estão seguindo a Bíblia. Se determinado grupo se une sob a orientação de alguém que possui o dom da liderança e acreditam em algo sobrenatural, este direito lhes é dado. E se eles creem em um livro no qual supostamente está a palavra de Deus, muito bem. Não vou entrar aqui no mérito de "qual seria a melhor interpretação da Bíblia". Conheço a existência de grupos de estudiosos que pegaram a primeira versão da Bíblia, a traduziram de forma mais ou menos correta e aí temos uma escola teológica que prega exatamente o contrário do que a "interpretação dominante da Bíblia" prega. Não, não vou entrar neste mérito porque não é o caso (mas fica a indicação do documentário For The Bible Tells Me So, legendado, aqui). O buraco que pretendo tocar é muito mais embaixo.

A segunda meia-verdade é que: os evangélicos são alvo de preconceito. Negar isso é ser cretino. Igrejas mais fundamentalistas sempre foram alvo de crítica dos católicos. Ora, é um absurdo uma mulher não se depilar e ser proibida de usar calça jeans. Sempre foram alvo de crítica dos próprios evangélicos menos, digamos, radicais. E, da parcela da sociedade que não professa fé alguma, então, nem se diga.

Os religiosos, de uma forma geral, são alvo de preconceito dos ateus. Existem páginas (e eu sigo várias delas) no Facebook fazendo piadas indecorosas com tudo o que possa tocar a fé alheia.

Então, no que toca à causa gay, o cenário é: temos um grupo de um lado defendendo a fé que professa. E, de outro, um grupo que busca inclusão social, uma vez que não é contemplado por uma série de direitos básicos, como casamento, adoção, etc.

Poderia ser só isso. Mas, claro, não é.

E não estou aqui falando da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias ter sido dada de bandeja para o PSC e, por conseguinte, ter caído no colo oportunista do Marco Feliciano. Isso é assunto batido e o que dá ibope na internet hoje é o preço do tomate.

Aliás: o problema em si não reside na guerra ideológica travada entre os "defensores da família" e os homossexuais. Não. O problema reside exatamente nisso: o preço do tomate.

Porque está tudo interligado. Alguns especialistas já se pronunciaram sobre a razão de o tomate estar tão caro: onde há maior concentração de cultivo do tomate (a saber, Minas Gerais e São Paulo), o clima tem sido frio e chuvoso.  Este fato prejudica o amadurecimento do fruto, e daí basta aplicar a lei básica da Demanda x Oferta na fixação dos preços e está tudo esclarecido.

Está?

Não.

Por alguns motivos: o primeiro deles é que o quilo do tomate, custando R$ 9,50, é algo indecoroso para a realidade nacional, em que, apesar da falácia da "nova classe média", é impensável uma família que sobreviva com R$ 678,00 poder se dar ao luxo de comprar o tomate a tal preço. Então, lima-se um elemento "saudável" na dieta diária do brasileiro. Lembro aqui, claro, que não é só isso. Eu faço mercado. Eu pesquiso preços. Eu faço parte dessa tão aclamada nova classe média - o que me faz ter o direito de ingressar a fundo na sociedade de consumo, criar dívidas, me orgulhar de meus dez cartões de crédito e dos diversos empréstimos em duas ou três instituições bancárias. Mas, no duro, eu não tenho dinheiro para comprar tomate todas as semanas.

E o gay também não. E o evangélico também não.

O segundo motivo é que a mesma chuva que castiga o cultivo de tomate, está castigando vidas nas zonas urbanas. Não é preciso pedir muito que lembrem a tragédia nas três principais cidades da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro: Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Vou falar do que eu conheço: Teresópolis, uma cidade com 770km² de extensão territorial, com uma passagem de ônibus que custa R$ 2,90. Excetuada a zona rural e alguns outros bairros mais distantes, o Teresopolitano gasta, em um trajeto de talvez vinte minutos, a quantia diária de, pelo menos, R$ 5,80, pagando R$ 9,50 pelo quilo do tomate.

E o Brasil tem o salário mínimo de... R$ 678,00.

Neste mesmo Brasil, gays e evangélicos ocupam postos exatamente iguais aos de quaisquer outros grupos dentro da sociedade: uma alta concentração de renda na mão de pouquíssimas pessoas, e, o restante, pulverizado entre as classes B, C, D e E. O que significa que tem muito gay por aí que não pode comprar tomates. Como tem evangélicos que não o podem fazer também. De outro lado, Marco Feliciano está certamente inserido na Classe A. E Jean Wyllys também.

Mas existe uma diferença um tanto ÓBVIA entre os dois. A frente do Jean Wyllys é a educação. Em diversas entrevistas, ele coloca a educação de base como uma finalidade urgente a ser buscada pelo Brasil. E o Marco Feliciano, bem, quer criar o dia do Papai do Céu na Escola.

Só que o Dia do Papai do Céu na escola, com o perdão daqueles que professam a fé cristã, é a utilização hedionda dos estabelecimentos de ensino para manter o status patético em que se encontra a sociedade. Como fariam isto? Reduziriam a carga horária de disciplinas importantes para o currículo escolar e, acima disso, para a formação de um pensamento crítico, para falar de... Deus?

Não... nada contra. Vamos falar sim, de Deus. De Deus, de Buda, de Jeová e de Maria Mulambo. Mas vamos falar sobre História, sobre Geografia, sobre Matemática e sobre Língua Portuguesa (por favor, falemos urgentemente sobre Língua Portuguesa). E vamos falar sobre Não-Deus, também.

Vamos dar escolha às pessoas.

E, para dar escolha, precisamos dar a capacidade de as pessoas pensarem.

Porque, do contrário, as pessoas não vão para as ruas brigar por seus direitos - já que vivem sob o manto da descrença na questão pública. Ou porque as pessoas não vão para as ruas brigar por seus direitos - já que Deus por elas tudo proverá.

Acontece que nem Deus, nem o afastamento político vão reduzir o preço do tomate;  nem Deus, nem o afastamento político vão dizimar a fome do mundo; nem Deus, nem o afastamento político vão trazer saúde, segurança e transporte público com qualidade básica; nem Deus, nem o afastamento político vão acabar com a guerra ideológica dos gays versus os evangélicos.

Deus, assim como o afastamento político só vão azedar o fermento do pão nosso de cada dia e fazer com que a lona deste circo caia sobre nossas cabeças. E, entre mortos e feridos, lá no Olimpo que hoje apelidamos de Congresso Nacional, uma bandeja de croissants estará saindo, quentinha, do forno.


segunda-feira, 1 de abril de 2013

vinte salvador.


das mãos do homem febril
para o estômago do engraxate servil
numa páscoa sem cifras nos olhos da criança,
fica a indagação:
o que vale mais
o cristo ressuscitado em sua ilusória cruz
ou o cisto sangrento daqueles sem luz?

do andar lento daquele que arde
aos pulos de alegria do que vaga tarde
num feriado sem descanso para a fome
fica a certeza
nada vale menos
que a crença barata que expia as nossas culpas
ou que a fé vã que prenuncia nossas lutas.

quinta-feira, 28 de março de 2013

sobre insônia e nicotina.


o céu está tão caro
que já nem sei que horas sou
o sol desapareceu ao acaso
que já falei que oras ou
quem mora
neste agora
trancafiado em trinco vão
sem mais portas
ou histórias tortas
chorando sempre o mesmo não.

o céu está tão longe
que já nem sou como ou onde
a onda transbordou sobre o caso
que já virou atraso ou
descaso
neste maço
de cigarros fumados então
sem o fogo
deste engodo
de mãos dadas com a solidão.

terça-feira, 26 de março de 2013

as amarras.

pago com o corpo
os juros deste empréstimo de felicidade fugaz:
as noites em claro sobre a madeira sem lei,
os dias em que corro sem socorro
as folgas vitimizadas pelo tempo
e o sono raro sem abraços reais.

o que está acontecendo?
o quão louco posso estar nessa camisa de força
tamanho P, finalmente?

o que revira em meu estômago?
se não há frios ou arrepios na barriga.

reduzi-me a uma estria nervosa.
nestes cinquenta tons de feng shui sem equilíbrio.

segunda-feira, 25 de março de 2013

bar do peixe.

o que me fascina
me faz sina.

100.


a estrada segue sem curvas
sem redutores de velocidade
sem indutores de sono
sem fios separando faixas
ou movendo este carro desgovernado.

sem pedras no caminho,
sem fim
cem quilômetros por hora
sem freio de mão
sem papas na língua
cem direções equivocadas.

nenhuma placa indicando a veloz cidade permitida
eu jamais acreditaria nelas de qualquer forma.

no volante monótono,
repouso minha cabeça
desligo o rádio
para cantar sem acompanhamento.

não, não quero notícias
tampouco oras deste desbrasil
nem desbravar desventuras
sem série
sem número
sem obsessões
sem concessões
sem licenças.

miro o mesmo documento
lá está meu nome
mas de quem é este rosto?

quem pode dirigir então?

quem pode digerir
senão
eu?

a estrada segue sem curvas
sem eliminadores de apetite
sem odores característicos
sem cem quilos por um segundo.
sem pesos por um instante.


domingo, 24 de março de 2013

concreto.

eu não sei mais

se
estou procurando agulhas no palheiro
ou se a palha já pegou fogo há muito.

nada além de cinzas
tornam o ar alérgico
sem remédios para dar algum frescor
salvo a fúria.

e onde está o lúdico?
talvez no mesmo lugar onde hoje
reside morto o senhor lúcido.

eu não sei mais

se
estou inventando argumentos de defesa
ou se o júri já condenou este pobre réu.

a uma prisão perpétua
em prédios sem janelas
com portas que não levam a lugar nenhum
salvo o concreto.

Zooming.

onze quilos a menos
e a bota da sabotagem ainda aperta
o dedo mínimo
sem o mínimo de espaço para se movimentar
mas
de onde vem o aperto no peito?

quem inventa as amarras,
no jogo vil da submissão
neste covil do eu plus one
no qual o eu desapareceu?

estou me reinventando
e as antigas aventuras estão submergindo.

o quanto isso exaspera?

na metáfora do corpo perfeito,
boio por horas numa piscina do ainda-ontem:
para que tanto rancor
apenas por areias debaixo de meus sapatos?

deixe-me arranhar o assoalho
ou apenas deixe-me.

sexta-feira, 22 de março de 2013

but i know by the name.


a mesma voz sibilou
coreografada
nos ouvidos desatentos a histórias chatas
pessoas perdidas
e garrafas de cerveja espalhadas como labirinto.

mas que chão frio este no qual me sento e não repouso minhas costas?

a mesma decepção fibrilou
taquicárdica
nos cacos de coração que esperavam notícias
olhares furtivos
e brindes violentos com taças de vinho tinto.

mas que páginas são estas que não sustentam mais palavras mortas?

quinta-feira, 21 de março de 2013

Encontro.


- Olá! O que faz por aqui?
- Eu saí com o intuito de obter uma nova identidade. Uma segunda via. Uma segunda vida. Ou uma sobrevida, quem sabe. Talvez uma vida a mais naquele jogo chamado vida. Pedi para todos os meus amigos. Já era tarde. Ninguém podia me ajudar.
- Poderia ter me pedido.
- Você não é meu amigo.
- Por que não? Não estou aqui falando com você?
- É apenas um devaneio. Eu deveria esta dormindo. Ou fumando um cigarro. Ou bebendo mais um café. Ou tomando uma xícara de chá gelado. Ou correndo. Ou disfarçando as olheiras. Mas estou aqui, de pé. E não, você não é meu amigo.
- Repito a pergunta. Por que não?
- Porque não sou amigo do espelho.
- Eu reflito você?
- Não. Você apenas me aflige.
- Por quê?
- Porque pela primeira vez vejo um reflexo feio. E não acho isso bonito.
- Por que feio?
- Porque olho no espelho e me vejo gordo, cansado, com olheiras, abatido. E ainda assim, eu não consigo parar de olhar pra mim.
- Você olha pra si mesmo ou para o seu ego.
- E você é exatamente as duas coisas. Sempre foi. Sempre será.
- Foi o que eu prometi.
- Não. Foi o que eu prometi diante do espelho.
- Portanto, sou você.
- Nunca disse o contrário. Talvez tenhamos mudado de papel.
- Não há papéis.
- Sim, há. Eu que nunca os peguei em minhas mãos. Minto. Peguei. Apenas uma vez.
- Por que apenas uma vez?
- Uma coincidência. Eu deveria ter seguido o plano original, mas, de qualquer forma, tudo mudou.
- Tudo, menos o seu reflexo.
- Não, ele também certamente mudou.
- O que você vê?
- Algum triunfo pessoal. Algumas inimizades. Alguns quilos a mais. Em processo de perda.
- Um processo que nunca se perde.
- A sentença jamais foi proferida.
- O processo ficou suspenso.
- Sim, está arquivado. Mas não em definitivo. Ninguém nunca incinerou os autos.
- E você fica aflito com isso.
- Sim. Odeio as reticências. Sou adepto à escola do ponto final.
- Mas você, enquanto um jovem estúpido, é incapaz disto.
- Talvez. Nem tão jovem. Bastante estúpido. Eu diria que um garoto mau.
- Mas você é inteligente.
- Mas não deixo de ser mau.
- Eu não acho.
- Eu não acho nada. Apenas o que o espelho me diz.
- Então, se o espelho é o seu reflexo e eu reflito você...
- Não. Você apenas aflige.
- Estou aflito.
- Estou contrito.
- O que é melhor? Seu reflexo ou uma foto 3x4?
- Tanto faz. A foto vai ficar presa numa identidade que você reflete.
- Mas eu não reflito. Eu aflijo.
- Eu contrito.
- Nós, atrito.
- Nós, desisto.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Você parte 2.


deitado nu debaixo de estrelas
em uma sexta-feira inusitada
na qual brinco de oferendas
a deusas que desconheço
mas que me desvirginam
e me fazem pecar em vão:
nada tenho além de uma mão.

da rejeição ao toque
ao transtorno do desatino
desafino
a mesma canção que estou tão cansado de
cantar
ouvir
tocar
gritar
chorar.

de fora do mundo vejo melhor
de dentro do surdo me faço de cego
tiro uma peça solta
e agendo minha próxima paranoia:
ouvir a distância não é melhor que tocar o próximo?
amar o mesmo não é melhor que tentar o próximo?

no conformismo das ideias vãs
a sutileza de uma flor já morta
ainda perfuma o ar.

mas não;
o perfume é artificial
caro,
porém, artificial.

busco em mim o que não tenho no sim:
o que encontro é o desasossego da mesmice
atiro no mundo o que não vejo em casa:
e sigo preso nestas barras imaginárias por idealizar demais.

brinco de libertário,
mas sou escravo do mundo.
deitado sobre uma cama de espinhos
e com os pulsos imóveis pelo que defendo.

na incongruência do eu,
sigo sendo uma extensão do você.

terça-feira, 19 de março de 2013

Sim.

confesso o erro vulgar
entre vírgulas
que aposto cujo aposto
está deslocado
tanto
quanto
o eu entre grades
o assassinato da sina
a sanha insana
da qual emana
a ausência de razão.

contra-argumento
contra tudo
encontro todos
neste conto inacabado:
o hoje que acaba de despertar
sepultando o ontem
sem promessa de amanhã.

manhã de chuva
fuga fugaz
tremores sem amores
dores sem sabores
adeus sem um deus
um beijo sem eixo
e o fim sem um breve sim.

Anticipating.


Era algum dia de 2002. Lembro-me de estar vendo um DVD da Britney Spears, na casa da minha madrinha. Era um dia de 2002, e eu não tinha aparelho de DVD na casa dos meus pais. E ainda que tivesse: nunca foi fácil dissociar a música pop da sexualidade humana. Existe um clichê barato que quem ouve Britney Spears é gay. E talvez não seja um clichê. Talvez estejamos tão atrelados a uma ideia de que tudo é separado em grupos comportamentais óbvios, que ouvir Britney Spears conduz necessariamente a ser sodomizado. Não importa o tamanho do fone de ouvido: ele está entrando em um buraco seu e, logo, você está sendo violado. Parabéns: em algum dia de 2002, você se tornou uma abominação.

Neste algum dia de 2002, um vulto chamado meu pai se materializou na janela da casa da minha madrinha. Top down, on the strip, lookin' in the mirror and I'm checkin' out my lipstick e lá estava ele. Algumas horas depois de ele mencionar expressamente que queria falar comigo. Algumas horas depois de minha mãe revelar que o primogênito estava... se envolvendo com homens. E não eram homens. O plural era singular e, contra todas as probabilidades, monogâmico. Não a culpo: creio no choque. Uma formação catedrática a fez perder o ar, quando, do alto da ironia, eu afirmei não estar usando drogas, mas, sim, dormindo com um homem. E, dentro de uma sociedade em que a droga é eternizada como o grande vilão, isso não deveria ser uma boa nova? Pois não o foi. Pedi sigilo, o mesmo foi quebrado. Ninguém nunca soube colocar um cadeado em diários, de qualquer forma. E, da inexistência de trancas e silêncios, levou-se à divisão de águas. Em algum dia de 2002.

Neste algum dia de 2002, eu ouvi que tudo era uma fase. E que meu pai jamais teria que se preocupar com o que minha mãe havia falado, pois, afinal, passaria. Era tudo uma grande confusão e que, inclusive, fazia parte do meu processo de amadurecimento. Em algum dia de 2002, isso poderia ser uma fase.

Mas não.

Nunca foi uma fase.

Em algum dia do mesmo 2002, ele percebeu que não era uma fase. E não foi o disco novo da Britney Spears que demonstrou isso. Não. Dentro dos clichês mais óbvios, meu pai preferiu escolher o fato de eu estar em uma fila de banco, pagando a minha faculdade, usando um par de brincos. Mas não. Não eram brincos grandes, de pressão, com formatos geométricos e absolutamente coloridos. Não. Eram brincos discretos, de aço cirúrgico, pequenos. A orelha ainda estava vermelha: provavelmente eu havia acabado de furá-la. Mas naquele momento eu não furei apenas uma orelha. Supostamente, eu furei a dignidade de um homem. Rompi violentamente o dogma do patriarca. As esperanças de um neto, um bisneto, muitas mulheres e o cara que estaria compartilhando imagens enaltecendo o flamengo nas redes sociais.

Talvez eu devesse pedir perdão.

Mas eu nunca mais pude comer biscoitos de chocolate.
Uma das coxas do frango assado não mais me eram franqueadas; quando muito, um pedaço seco de peito do mesmo frango.
Meu achocolatado foi cortado da lista de compras semanal.
Eu só tinha acesso a caixas de bombom quando, no meio da madrugada, eu roubava algum que ninguém sentiria falta (talvez o bombom de torrone, da caixa da Garoto);
Quase tive minha faculdade interrompida, se não fosse um golpe do destino que me colocou para trabalhar dentro da faculdade: dois anos trabalhando em troca de uma bolsa integral e um vale transporte.
Minha monografia foi passada  como um evento inútil.
Nunca recebi parabéns pela minha formatura.

Talvez eu devesse pedir perdão.

Mas não.

Eu apenas agradeço. Agradeço por ter sentido todo o peso do mundo entre paredes que eu era ironicamente obrigado a chamar de lar. Paredes que mofaram, num franco contraponto ao meu crescimento. Eu jamais me enchi de fungos: eu lutei contra teias de aranha e transcendi o buraco no qual eu poderia estar metido. Eu tatuei o baluarte da minha própria libertação. O amor que eu acredito está em minha pele, para todo o sempre. Corri de bar em bar. Pulei de cama em cama. Cada corpo com qual troquei suor foi o meu grito de independência. Bêbado e imundo em alguma esquina, eu era a própria revolução. Fumei cigarros manufaturados na bíblia que me condena. Me entorpeci de tanta força que arranquei do âmago, nos momentos mais absurdos possíveis.

"Eu apenas preferia que você nunca tivesse nascido".

"Você é uma aberração".

E todas as vezes que fui chamado de "sujeito", como se fizesse parte da escória da humanidade.

E há aqueles que acham que eu deveria pedir perdão.

Não. E hoje, eu perdoo.

A pessoa. Jamais o ato.

E por isso eu odeio o preconceito. Não só aqueles desferidos contra mim, mas também aqueles que partem de mim. Ora, sou humano. Perfeitamente falho. Luto diariamente contra a incoerência quando acordo, e analiso cada ato ruim quando pouso minha cabeça no travesseiro. Cada toque de meus dedos em meu teclado produz uma melodia de arrependimento e de análise. A certeza de que o ontem me leva para o amanhã, embora o hoje seja ainda nebuloso.

Em algum dia de 2013, contudo, eu continuo me sentindo top down on the strip, looking on the mirror and i'm checking out my lipstick. Ainda me sinto obrigado a me refugiar em uma montanha para demonstrar amor.

Ora, e como não, diante da verdadeira guerra ideológica travada?

Tornei-me blásfemo em legítima defesa. Odeio deus e todos os seus, alegando estado de necessidade. Ofendo cada religioso de araque que cruza o meu caminho argumentando estrito cumprimento do dever legal.

E ainda assim, não consigo me eximir de toda a culpabilidade. Tal qual o cristo que renego, estou pregado a uma cruz. Posso ser queimado em praça pública a qualquer momento. A morte soa uma redenção se, ao menos, eu tivesse a certeza do retorno no terceiro dia. Mas três dias jamais seriam capazes de mudar tudo.

Porque tudo o que cresci daquele algum dia de 2002 para este algum dia de 2013 não pode ser chamado de três dias.

Como gato, perdi todas as minhas sete vidas.

Fiz pacto com todos os demônios com os quais dormi em nome da minha crença.

Cada travesseiro no qual já afundei minha cabeça está manchado de lágrima.

Mas hoje, eu tenho todos os biscoitos de chocolate.
Devoro sozinho um frango assado inteiro, sem prestar contas a ninguém.
Mergulho em uma banheira de achocolatado unicamente para meu prazer.
Compro caixas e mais caixas de bombom e faço caridade com a gordura localizada do meu corpo.
Me formei.
Minha monografia se tornou a minha bíblia.
E me tornei um verdadeiro humano.

Em algum dia de 2002, isso jamais seria possível. Mas lá estava eu, anticipating.

This is my song they are playing:

Independência ou morte.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Soledad.


das quarenta e oito horas úteis,
o animal político
não afia suas garras
pelo menos
durante trinta e seis delas.
levanta trôpego de um sonho ruim
no qual estava em uma mesa oval
debatendo-se como peixe fora da prisão.
só.

dos sete dias da semana,
ela foge de uma masmorra imaginária
em apenas um
mas não tem tranças para jogar
a desafortunada rapunzel
apenas o gosto amargo do remédio debaixo de sua língua
que
não tão ferina
é incapaz de alcançar o céu da boca
e contar estrelas fantasiadas de afta.

não há melodia no hoje
a não ser as mesmas músicas do ontem
cuja folha do calendário já foi devidamente reciclada
a fim de tornar o amanhã sustentável.

ou suportável, enfim.

a besta desgarrada
toca de leve a pele do próximo
e
descontrolada
fere com o peso do ferro o já ferido que não é fera:
é brando e repousa as letras na selva do peito.
numa desculpa entredentes e sem pernas sobrepostas,
um boa noite ríspido e mais seco que o deserto em que vive.

de repente, um oásis.

mas não é sempre tudo uma ilusão?

o sonho da fuga do panóptico.

mas o grande irmão vigia.

e só a ele ela tem.

sábado, 16 de março de 2013

Rei do nada.


Danço entre adversativos mal postos
e adições aditivas em pingos inexistentes:
apenas o erro cotidiano
a ofensa que leio em jornais que sequer ouso abrir.

Sigo ereto, indiferente, com meu nariz vermelho.

Agradeço o dízimo da desgraça.
É ele que mantém a dignidade barata,
estas roupas poidas
e as teorias polidas
que jamais serão ouvidas.

Sapateio sobre sorrisos distribuídos
gratuitamente em panfletos baratos sobre a vitória:
apenas o acerto profano
o contrato assinado a rogo pelos idiotas a sorrir.

Sigo reto, indecente, ignorando o vil conselho.

Rasgo páginas do livro que embaraça.
É ele que determina a passividade estupefata
as esperanças perdidas
e as revoluções impedidas
que jamais serão vividas.



Porcos e seus aumentativos.

Porcos chafurdam-se em seus aumentativos
entre boas-noites indesejadas e vômitos inexpressivos:
o chiqueiro é aqui embaixo,
nesta senzala apelidada de direito social,
com seus meandros sedutores.

Bem-vindos à classe média, operários.
Abram seus livros e vejam seus desatinos
traçados pelas mãos de parcas trêmulas
contando misérias como fábulas
trocando trocados por pão velho
tudo em doze vezes sem juros da santa tecnologia.

Os encargos são cobrados do corpo:
alguns quilos a mais
gases
um dente quebrado
e outro prestes a cair.

Corvos palitam seus dentes recém-nascidos
na agonia aguda que rompe o silêncio não ouvido:
o ninho é aí em cima,
neste Olimpo apelidado de hierarquia
com seus gritos aprisionadores.

Bem-vindos à verdade, usurários
Fechem seus olhos e se ceguem à vontade
do recôncavo cosido de nossas peles
contando milhares como crápulas
trocando sapatos por novas vidas
sem impostos que nada doem no corpo da já morta ideologia.






domingo, 10 de março de 2013

Vergonha.


Tomo um banho, mas não lavo o rosto. Não por falta de higiene, pois daqui a meia hora tomarei outro (tenho obrigações capitais a cumprir). Mas para desafiar o espelho. Mostrar para ele que não: não existe perfeição, por mais que eu chore, esperneie, grite, corra. Por mais que eu morra. Então, me revelo com remela, marcas do travesseiro em todo o rosto, suor em demasia e olhos cansados. Muito cansados. Até o brinco está torto, de tanto cansaço. O cabelo, bagunçado, uma parte molhada e outra seca. Mas não vou pentear. E nem deixá-lo uniformemente seco. E nem dar forma. Quase chego a agradecer o escárnio que é a minha barriga. O estômago tão cheio de insatisfações que meu metabolismo não deu conta e veja onde fui parar. Pelos inflamados tomam a minha perna e não há milagre dermatológico que dê jeito nisso. Bem-feito para o espelho. Eu não tenho nada com isso. É ele que exige. Eu já lavei as minhas mãos há muito tempo.

As mãos, mas não o rosto. Ele continua em carne viva, de tanta vergonha. Me sinto febril, mas sei que é apenas o fato de não ter comido nada ainda hoje, somado à água quente que escorreu preguiçosa do chuveiro. Fechei um pouco o registro para economizar água, força motora do mundo. Fechei um pouco os olhos para economizar a minha vergonha. Depois de ter fechado tanto os olhos para a metamorfose na qual me tornei. Sou Gregor Samsa em 40m² e em uma cidade maravilhosa. Não. Não sou o tordo. Quem brinca de salvação é o espelho em chamas.

Eu apenas sou isso que ele reflete.

Que se danem os nós (?)


O grande duelo entre o eu e os nós
que atam e desatam mãos dadas pelo destino
no qual desacredito
embora as lentes escuras me refletissem
em meu ato de rebeldia
na luta pela minha fé
e
atrás delas
olhos
nus.

Guardo a esperança de que a carta não tenha sido aberta.
Desta forma, desfaço a cama do desespero
e consigo me mover nos lençóis do abandono.

Mas não o seu.

O meu.

Sentimentos em que o singular é permitido,
vêm embebidos em vinho barato
e me perco nos campos de cevada.

Divido-me entre o palco e o palanque.

Sou estrela porque tenho pontas afiadas.
Sou lua pois faço sombra ao seu sol.
Sou Marte guerreiro.
Sou Vênus em chamas.

Sou Deus.
Sou Maria, virgem em todos os aspectos.
Sou Judas, beijando a face do mundo.

E todas aquelas outras coisas nas quais não acredito.

sábado, 9 de março de 2013

Dirty Pop


Quando a crença que você comprou com dízimo corporal te escraviza;
esqueça a ideia de sentir a textura das paredes
em aventuras virginais;
você deu sua alma
e seu dedo
e sua unha
e uma marca além da compreensão
A grande pergunta feita é: quem sou eu?
Ou: o que vim fazer aqui?

E, de brinde, por que não abusar das palavras e soltar um trôpego por quê?
O video não reflete o ser como o som não é bem de ondas do mar.
e cadê o céu?
Me rendo ao que nego.
E renego o hoje que me foi dado.



sexta-feira, 8 de março de 2013

Feliz dia das mulheres.



Feliz dia das mulheres.
Parabéns pelos presentes recebidos.
Pela rosa que apenas reflete a cor de seu sangue
que, você querendo ou não, escorre das mãos do patriarcado.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Um marco feliz esse ano.



Bem-vindo, incêndio
que prenuncia o sofrimento do inferno
neste longo inverno que enfrento interno
a pensamentos sutis sobre revolução.

Na ação, nunca tive fé;
em repouso, aplaquei argumentos
diante da plateia incrédula
me fiz pagão aos olhos cerrados

Gritei igualdade
banqueteei um povo faminto com princípios
enchi de romance um conto então sem final feliz.

Mantive a crença.
Me afastei.
Me perdi.

E então, o corte da Corte
na supremacia de seus dizeres
oferece dignidade aos perdidos
"Sem mais gueto", o Magistrado disse
Logo, não mais me escondo.
Marco em meu ombro a bandeira do que era apenas um peso
E, no abuso da camiseta cavada, revelo quem sou.
Ou talvez num súbito beijo
Que não me importa ser proibido a olho cru.

Engulo o sal das lágrimas com orgulho ferido
por uma batalha hoje vencida pelo inimigo
esse deus maldito propagado pelas quatro esferas
que nada de bom traz
além da discórdia e contas abarrotadas.

Mas não.
Forjei minha espada e abaixei meu escudo.
Vou de peito aberto gritando segredos.
Vou de braços fortes estilhaçando medos.

Meu coração é um carro-bomba;

que está na hora de explodir.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Rio de medo.


Da província que deixei,
colho os frutos da terra que não arei
e planto apenas abandono.

Hoje, rio de medo
do desacato barato
da enchente de gente
do enxame de vexame
da venda sem venda.

Rio de medo
do estandarte vândalo
do descaso a olho nu
do nu na avenida central
da fome em minha porta.

Rio de medo
do aparelho levado
do leva e traz insosso
do pandeiro alegre e sofrido
da esperança latente nos olhos.

Rio de medo
do rio que transborda emoções
de ter sido acolhido pelas canções
e de ser aceito pelo que sequer sei o que sou.

Rio de medo
Para não chorar de desespero.

Estorvo.

Contendo a contenta,
contento o descontentamento,
com mais algumas palavras sem sentido
dentes sem precedentes
cedo espaço ao sedento
e adentro mais uma sala ainda vazia.

Onde estão os dançarinos desta falsa valsa?

Sofro o triste alvejo,
solfejo o sofrimento,
movendo sem qualquer dó os dós deste piano.
Expiando o espião
pronuncio a minha sede
e proponho uma revolução aos astros.

Qual o ângulo possível entre o sol e o sou?

Tateio as entrelinhas do meu mapa
Em táticas vulgares do querer saber quem, se e qual razão
Arrazoo num voo o qual perdoo
Um pouso sem repouso destas asas ainda a bater

Eu sou o estorvo.
E minha própria salvação.


Amanhã de manhã.

Eu não aguento mais esse ar viciado. Da mesma forma que eu não mais suporto olhar para os estilhaços deste espelho no qual me faço vários. E a verdade é que nenhum destes cacos realmente me agrada. Talvez os mais novos. Talvez aqueles que, de tão antigos, já não fazem mais parte de mim, mas que vejo com algum apreço. Eram estilhaços bons. Hoje, sobram apenas os cacos de um eu ônibus em chamas: guardo o coletivo em mim, mas será que ele está realmente seguro?

Com a visão um pouco turva, seleciono cuidadosamente um bom disco para ouvir. Tenho receio de escolher um som muito revoltado e terminar me debatendo no chão. Mas também tenho medo de encher a vitrola do mais puro vazio. O velho dilema do pensar versus não pensar. Do agir versus ficar quieto. Devo atear fogo em minhas roupas e desfilar nu nesta avenida que não festeja nenhum carnaval? Devo distribuir presentes sabendo que o natal é apenas no futuro, aquele tempo verbal intangível e de difícil conjugação? Porque se o futuro do verbo ver é verei, quem realmente vê o rei? 


Quem é o rei? Nesta desinência modo-temporal, não tenho modos, não tenho tempo. Forço boa educação a cada ponto de exclamação que involuntariamente aponho no final de cada frase. Meu lugar na fila do mercado é sagrada, diante da falta de lugar no mundo. São onze da noite e estou engasgado com a fumaça de um cigarro. Descrente em crenças absolutas. Deslizando entre uma cadeira ou outra tentando apaziguar a espinha. Tirando espinhos do céu da boca. Quando mesmo limpei os meus dentes? Quando mesmo eu mastiguei algo concreto? Minha roupa está impecável para interpretar esse papel social barato que me é imposto? Será que minha foto nas redes sociais está realmente adequada? A quantas anda o meu inglês? Se a taça do mundo é nossa, em que copa posso colocar um tapete e, quem sabe, esconder debaixo dele a quantidade de sujeira que venho acumulando debaixo de minhas unhas roídas?


Subitamente, engulo café quente e penso ter tomado uma grande decisão: parar de murrar pontas de facas e trocar o saco de areia por algo móvel. Algo vivo. Numa suprarrealidade onde não sei quem são os amigos e os inimigos, disparo uma arma imaginária, feita com a ponta dos meus dedos, para todos os lados. Meto um dedo na ferida de um suposto inimigo, e aponto uma proteção para a tempestade para um amigo com o outro. Tenho dez dedos nas mãos para distribuir equitativamente entre justiças e injustiças. Um dedo para cada caco que agora recolho do chão. Duas mãos sangrando para tentar colar o velho espelho e me ver, algo desfocado, no amanhã de manhã. 


No futuro de difícil conjugação, mas que conjuro meu.